Não existe uma identidade única para representar a mulher lésbica. Pelo contrário, é exatamente o oposto que a literatura lésbica deveria mostrar: a pluralidade de ser mulher e ser lésbica.
Como ler as representações femininas lésbicas dentro de um mundo androcêntrico?
Seria mais fácil responder a esta pergunta se houvessem representações femininas fora deste contexto. Mesmo o “olhar feminino e lésbico” é construído dentro e a partir de uma sociedade patriarcal, heteronormativa, racista, classicista e sexista.
Quando falamos sobre literatura com temática lésbica, não estamos falando da criação de um rótulo. Estamos falando da criação de uma representatividade.
Mas que representatividade é essa?
Não existe uma identidade única para representar a mulher lésbica. Pelo contrário, é exatamente o oposto que a literatura lésbica deveria mostrar: a pluralidade de ser mulher e ser lésbica.
No entanto, se fosse feito um mapeamento de narrativas lésbicas escritas e publicadas, esta pluralidade estaria realmente representada?
Segundo CHIMAMANDA ADICHIE:
“É impossível falar sobre uma história única sem falar de poder.[…] Como são contadas, quando são contadas, quantas histórias são contadas, estão realmente dependentes do poder.[…] A história única cria estereótipos, e o problema com os estereótipos, não é eles serem mentira, mas eles serem incompletos. [..] Mostre algo como uma coisa única, vezes sem conta, e esse algo se torna a verdade única.”
Até que ponto não aceitamos e reproduzimos os padrões do que supostamente seria uma lésbica “aceitável ” ou “passável”, ao dar voz e representatividade à protagonistas brancas, magras, jovens, “lindas”, “femininas”, de classe média, com grau de instrução superior completo ou universitárias na maioria das narrativas? A exclusão dentro da exclusão ao se privilegiar uma minoria dentro da minoria?
Por mais que as estruturas cruéis do poder insistam em tentar nos convencer de que não se adaptar, “ser diferente” é um grande sofrimento, não existe sofrimento maior do que fingir ser quem não se é, desejar ser quem não se é ou deixar de se ser quem se é realmente.
O grande desafio do artista contemporâneo consiste em fugir do senso comum; em não encarar o produto cultural apenas como bem de consumo destinado a agradar e vender, mas como obra de arte; em não perder o caráter mais belo e fundamental da arte: o seu aspecto questionador, de elemento de renovação, transformação, resistência, de romper paradigmas.
Repito: seria ideal que não houvesse a necessidade de classificar. Seria ideal um mundo em que pudéssemos ocupar todos os espaços sem a necessidade de rótulos. No entanto, esse mundo ainda é só um ideal e, se não rotularmos agora, não haverá espaço – para a existência e, muito menos, para nada que possa parecer remotamente transgressor.
Eliminar as classificações não muda nada, pois elas são o efeito e não a causa. Assim sendo, precisamos mudar a própria estrutura, dentro de nós, para que realmente não existam mais classificações ou diferenças.