“Escrevo para registrar o que os outros apagam quando falo, para reescrever as histórias mal escritas sobre mim, sobre você.”
Neste especial, a escritora Diedra Roiz revela os caminhos da literatura lésbica no Brasil com sua poética de ressignificação e resistência.
Ao deparar-se com o termo Literatura Lésbica, muita gente se pergunta: o que é isso? Isso existe? Ou, até mesmo, para quê isso?
Infelizmente, quando se trata de dar voz e espaço às “minorias”, esse tipo de reação não é incomum. Uma negação mais cruel do que a do espaço em si, a do valor e da necessidade do mesmo.
Afinal… Segundo este tipo de pensamento, preconceito é separar e classificar. “Para quê cotas? Para quê literatura lésbica? Literatura é literatura, pouco importa se é escrita por mulheres, lésbicas, trans, negras. Somos todos seres humanos, as pessoas são todas iguais!”
Mesmo?
Seria maravilhoso viver em um mundo onde todos fossem apenas gente e mais nada. Um mundo onde não existissem diferenças, privilégios, relações assimétricas de poder.
Mas esta não é a nossa realidade.
No mundo em que vivemos – onde as estruturas perversas do poder existem a serviço de manter a exclusão, a invisibilidade e o silenciamento de todos que não se enquadrem, e a desigualdade, de forma absolutamente cruel e tirana em seus critérios, elege aqueles que interessam, que detêm o espaço e o direito de falar, de se expressar, de se tornar visíveis -, rótulos e classificações são necessários exatamente para que os excluídos possam garantir e ocupar direitos e espaços que lhes são interditos.
A Profª Drª Regina Dalcastagné, do Departamento de Teoria Literária e Literaturas da Universidade de Brasília, em sua pesquisa cujo resultado pode ser encontrado no texto “Um mapa de ausências” do livro “Literatura brasileira contemporânea: um território contestado”, fez um mapeamento das publicações literárias de grandes editoras brasileiras e chegou à triste conclusão de que, em um país tão lindamente repleto de diversidades e pluralidades como o nosso, o perfil da grande maioria dos autores publicados é o seguinte: homem branco, heterossexual, cisgênero, com mais de 40 anos, membro da classe média, jornalista, morador do Rio de Janeiro ou de São Paulo.
Se alguém ainda tinha alguma dúvida, acho que depois disso fica bem claro qual o discurso que interessa e a escrita escolhida para ser visível hoje em dia no Brasil.
Nomear de literatura lésbica narrativas de mulheres que vivem as suas afetividades e sexualidades centradas em outras mulheres é de extrema e profunda importância neste momento, pelo aspecto revolucionário, de luta e resistência que isto possui, pelo significado e pelo que representa: dar voz a sexualidades que ainda se produzem trancadas “dentro do armário”, de visibilizar e empoderar uma literatura em que a mulher surge não como simples e silencioso objeto do desejo, mas como sujeito desejante, portadora da voz e do discurso.
Mas por que literatura lésbica e não literatura LGBT?
Saber respeitar a diversidade talvez seja a tarefa mais difícil da sociedade contemporânea, pois é a própria sociedade que homogeneíza a partir da construção de modelos pré-estabelecidos. Dentro do universo LGBT, isto não é diferente: muitas vezes, para uma mulher lésbica cis é necessário lutar para ter seu espaço, suas demandas e sua voz respeitados; para mulheres lésbicas trans, é mais difícil ainda.
A literatura lésbica expressa realidades de mulheres lésbicas (trans ou cis), buscando deixar a invisibilidade num mundo que ainda classifica um casal de mulheres como sendo “duas mulheres sozinhas”, fato que não acontece com um casal de homens, pois o homem, independente de sua orientação sexual, é sempre visto como sujeito e protagonista. Mais do que isso, tais narrativas também servem para desmistificar a visão de que mulheres lésbicas ou são objetos de fetiche e de desejo para homens hetero, ou são mulheres que desejam ser homens. Estereótipos que precisam ser desconstruídos. Vozes que, mesmo dentro do universo LGBT, ainda lutam para serem respeitadas e ouvidas.
Mas o que seria considerado literatura lésbica? Levamos em consideração o tema, o conteúdo, as personagens ou quem escreve?
Claro que considerar as personagens, o contexto e o “tema” abordado pelo texto é o mais adequado. No entanto, óbvio que um texto escrito por uma lésbica tem o ponto de vista de uma mulher que vive a sua afetividade e sexualidade centrada em outras mulheres visto de dentro, o que traz a voz desta realidade, aquela que possui essa vivência. Afinal, o lugar de onde se fala faz total diferença para o discurso, é impossível dissociar a vivência/essência de quem escreve de seu discurso.
Citando Gloria Anzaldúa:
Frase que, para mim, pontua e define o conceito de literatura lésbica completamente.