Chegamos. Passada a tormenta, sal curtindo a pele
Bebo um litro de alfazema
E flutuo trazendo uma forma de nos fazer de novo sopro de vida.
Olhe e se veja.
Não somos nós ato de criação?
Desenho a minha existência todos os dias. O meu contorno é o oceano.
E é no silêncio da tua imensidão, no axé da palavra, que te batizo Corpo-tempo.
Aquele que entre o ontem e o amanhã, guarda e revitaliza.
Trans-cria, Transcende.
Chamando gente-encruzilhada, ressignifico.
Elemento vital do que manifesto:
É hora de esculpir os gestos
Engravidar de vozes
Emparelhar os tempos
Ser língua e linguagem
Oração
Animar o desejo e ser passagem para alguém
Explodir as arquiteturas
Expandir sua arte
Performar o belo
Ser Trans
Sendo rito,
Sendo traço,
Sendo rio
Luz, tecnologia, resistência
Canto, imagem, comunicação
Mergulho em ti, corpo-arquivo
E faço das tuas memórias caminho
Da minha nova criação.
Uma das faixas criadas pelo produtor musical Mahal Pita a partir do processo de experimentação e pesquisa com a obra AfricaDeus – O Repercutir da Música Negra de Naná Vasconcelos em lançamento do vinil durante o AfroTranscendence 2016 em colaboração com o Harmonipan Studio.
Se há um traço comum que atravessa ainda que em um ínfimo espaço de tempo a existência de todo o corpo negro, é a busca ou necessidade de ressignificar e dar novo sentido ao seu próprio ser.
Diante da violência simbólica investida em sua imagem e da supressão da sua cultura e cosmogonia, recriar o imaginário social, produzir afetações e pôr em circulação valores através de uma arte manifesta se faz para muitxs, uma constante prática de vida.
Utilizando da própria condição humana de dar sentido ao mundo como uma possibilidade de libertação, o movimentar desse corpo negro atravessa a história reinventado-se na intenção de que seja possível deslocar os sujeitos e com ele, o olhar de quem os olha.
Emparelhando os tempos, trazem uma novo arcabouço de saberes. Epistemologias que anunciam estratégias que dançam e fazem do corpo, arquivo para fraturar as bases estruturais de um instituto-ocidente marcado por um conjunto de arquiteturas construídas com as formas da exclusão. Toda fôrma que sitia o nosso olhar e nos condiciona a noções tecno-estético-científicas onde o perfeito é cria da casa-grande.
Se a meta é re-povoar a estética, meta é questionar ela mesma. Meta para liberar a estesia é desfazer a palavra, borrar a imagem, expandir o corpo, deflagrar a engenharia e cutucar a catequese educacional financiada pelo que Temes. Escurecer o olhar, é entender as assimetrias do nosso canto. A operação dialógica e polêmica que ao carregar dois sentidos, utiliza dos sistemas do opressor para expressar sua fé, versar a liberdade, entoar levantes. O sincretismo da linguagem e sua característica transcendental, que come, reza, dança, batuca e encena atualizando no presente, passado e futuro numa só expressão. São as Afrografias da Memória, as oralituras e o que aprendemos com quem vem antes e já estava aqui. [1]
Compreendendo que toda estética é regida por uma ética, são esses valores que dão-se a ver nessa performance do conhecimento que ganha vida nas manifestações artísticas negras contemporâneas do país. É o que a obra pinta, a boca grita e o que frequenta o ritmo. É o que imagens movimentam, o que a luz projeta, a aparência sustenta e o que escreve a linha.
As cartilhas das fundações, organizações, instituições, corporações e todos os outros porões semeiam na cadeia de toda a sua gestão um racismo estruturante que barra e apita na porta de entrada, a negrura e seu modos de ser. É o efeito de sentido, a semiose da opressão que se concretiza quando não nos vemos, não nos reconhecemos, não somos programados para ser programação e damos meia volta por medo ou contestação a esse projeto de dominação.
Enraizada nos alicerces dessa construção imponente, está o vírus que engendra no corpo, o inconsciente colonial: são os padrões, os modelos, as Gisele’s que vivem em cada espaço cultural, sala de cinema, editoras, auditórios e galerias. São os loiros olhos da curadoria. Que pode não levar esse nome mas carrega a responsabilidade da decisão. Pois quem cura, cura o que? O que é a curadoria se não o tomar de outras narrativas sensíveis para montar e anunciar uma totalidade de discurso? Como são delegadas as vozes, como são geridas as relações de poder e quais os critérios institucionais investidos nessa função?
Estamos naquilo que ecoa nas praças, encruzilhadas, terreiros, ruas da internet, zonas autônomas e espaços independentes. Tramando o que está fora da linha, criando curva frente aos curadores-policiais-professores. Escudos da branquitude, falência cognitiva. O olhar que cura, não cura, adoece. Os espaços não acolhem, expurgam.
É preciso descer e implodir a estrutura pois o Negro-Manifesto traz tudo o que tem dentro. Receber a arte negra, é reconhecer os privilégios da supremacia. Ora combatendo, ora tirando tudo o que é centro, não sendo reação, contrário ou resposta. Ser protagonista e ele mesmo poesia. O preto-enunciador desmonta o pensamento, refaz a estrutura, cria envergadura e retira a pátina no concreto usurado do prédio da esquina.
Pensar a curadoria, o racismo estrutural institucional e a produção de conhecimento não é a pesquisa do AfroTranscendence 2016, mas é antes de tudo, o que nos dá vida. Deslocar o Corpo-Tempo para a página principal e trazer para discussão aqui o que nos invisibiliza, é reconhecer que são nesses espaços que se operam os contratos e os regimes que fazem fazer-ser, fazer-ver. Por isso é aqui que se cura e é aqui que o texto recria, o que significa para nós, a palavra curadoria.
[1] MARTINS, Leda Maria. Afrografias da Memória. O Reinado do Rosário do Jatobá. Belo Horizonte, Mazza Ed., 1997.
Curadoria e Direção Criativa: Diane Lima
Coordenadora de projeto: Hanayrá Negreiros
Equipe de criação, produção e comunicação: Nando Cordeiro, Alê Gama, Neomísia Silvestre
Fotografia: Alile Dara Onawale
Agradecimentos: Lorena Vicini, Cynthia Lang, Chike C. Nwoffiah, Alê Gama, Mahal Pita, Tarcisio Almeida, Yasmin Thayná, Danúsia Maria, Juliana Luna, Camila Melo, Martin Giraldo, Fernando Velazquez, Gabriela Pacheco, Fernanda Júlia, Red Bull Amaphiko, Red Bull Station e Goethe Institute.
09h
Boas-vindas aos Imersos e apresentações
13h
A comida como espaço do encontro e da troca de conhecimento
14h30 Experiência
Memória, corporeidades e ressonâncias com Benjamin Abras
17h Diálogos
Escavando saberes: arqueologia, pesquisa e patrimônio com Paty Marinho
Canjerê patrimonial: as dimensões (i)materiais do simbólico com Alê Gama
11h às 11h30
Abertura
11h30 às 13h
Palestra 1 – Makota Valdina Pinto
14h30 às 16h
Palestra 2 – Ayrson Heráclito
14h30 às 16h
Palestra 1 – Fernanda Júlia
16h às 17h30
Palestra 2 – Jaime Lauriano
20h
Videoconferência – Grada Kilomba
14h30
Palestra – Nego Bispo
16h
Mostra Festival de Cinema Africano do Vale do Silício: exibição de 5 curtas seguido de conversa com Chike C. Nwoffiah e Yasmin Thayná
18h30
Uma performance contada, um palestra cantada
Mahal Pita + Lançamento vinil AfricaDeus de Naná Vasconcelos
20h
Apresentação coletiva – Laboratório AfroTrans